O universo que há em um fato

Amigos,

Nos dois últimos posts usamos o termo “boa história” para exemplificar momentos em que o jornalismo soube aproveita-las.

Novamente pergunto: mas o que é uma boa história para o jornalismo? Infelizmente continua difícil chegar a uma resposta certeira.

Mas sabemos que a existência de uma boa história depende muito de algo: o jornalista e sua capacidade (e disposição) para buscar ou construir uma.

Nessa altura do semestre, vocês já estão com a produção da reportagem encaminhada. Por isso proponho mais exemplos de textos que podem usar como inspiração, base ou guia.

O caderno Aliás do Estadão propõe-se a repassar, aprofundar e analisar os fatos noticiados na semana. E quem seguiu essa premissa foi o jornalista Christian Carvalho Cruz. Seus textos que já foram impressos no suplemento merecem destaque:

Escrito em 1ª pessoa “Uma senhora batuta” nos lembra o estilo do livro de Claudio Tognolli. Em “Fóssil à deriva”, além de um factual com narrativa literária, nos é apresentado um resumo histórico. Assim também no “De torpedo em torpedo” no qual passamos a saber da existência de um campeonato de digitação e da evolução do dedo polegar. Em “A vida em rosa” há metáforas, comparações, jogos com palavras, descrição de personagens tão detalhadas, que até o jeito e sotaque da fala são evidenciados.

Lembrando que esses textos ocuparam uma página standard de jornal, obrigando o jornalista a escrever com concisão, ritmo e cadência.

Outra dica que deixo é a série de reportagens que a VICE Brasil vem publicando sobre a semana violenta de maio de 2006, em São Paulo. O Risca Faca também está com uma edição especial sobre o tema.

Só mais uma, que foge de jornalismo literário: entre junho e julho acontece o curso online gratuito “Produção de Vídeos Jornalísticos para a Internet”, oferecido pela Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Acredito que vale muito a inscrição, considerando que o vídeo online é a tendência da década e será responsável por 80% do tráfego da internet em 2019.

Aproveitem a leitura 🙂

 

 

 

Tudo vale por uma boa história?

Amigos,

Hoje proponho uma reflexão sobre uma situação que pode acontecer com qualquer jornalista. Uma situação que coloca em jogo a ética, a reputação e a moral do profissional.

Vamos a uma hipótese:

Uma pessoa (neste caso a fonte) entra em contato com você para contar uma história. Ela confessa que está envolvida em um ato ilícito (muito ou pouco grave, porém ilegal) e pede que você escreva sobre isso. Mas há uma condição: enquanto você, como jornalista, realiza a documentação do fato com investigação, entrevista ou fotos, nada pode ser publicado até que a fonte permita.

Opção 1: você aceita a proposta

Opção 3: você não aceita a proposta e fica na sua

Opção 4: você não aceita a proposta e denuncia a fonte

Um agravante: durante esse processo, você acompanharia o informante durante o ato ilícito que ele comete e, como concordou em manter sigilo, de certa forma se transformaria em um cúmplice por omissão.

O que você faria?

Talvez buscar um exemplo nos jornalistas mais experientes seria uma boa ideia. Mas e se isso tivesse acontecido de verdade com um profissional, que escolheu ficar calado durante anos pelo bem de uma boa história?

No dia 11 deste mês, a versão eletrônica da revista The New Yorker publicou uma matéria sobre a história de um homem chamado Gerald Foos que comprou um motel em Denver, Colorado nos anos 60 e elaborou um sistema secreto para espiar hóspedes, principalmente suas atividades sexuais. Por décadas, ele ficou à espreita, olhando, analisando e escrevendo cada movimento e atividade de quem estava nos quartos.

A matéria leva a assinatura de Gay Talese.

Sim! O pai do novo jornalismo.

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O Manor House Motel, cujo proprietário manteve, secretamente, a prática de voyeurismo durante 25 anos (Foto: Reprodução Amazon)

Talese conta que recebeu uma carta em que Foos explicava ter um material interessante, que poderia contribuir ao trabalho que vinha desenvolvendo no livro A Mulher do Próximo, um retrato da sexualidade norte-americana nas décadas de 60 e 70.

Nos dias que se seguiram, ele afirma ter refletido muito sobre a história do homem que violava, em segredo, a privacidade sexual de desconhecidos. Por fim, ele aceitou a proposta justificando que ele próprio havia utilizado métodos semelhantes em seus trabalhos. A maioria dos jornalistas são voyers incansáveis que vêem as verrugas no mundo, as imperfeições de pessoas e lugares”, explica na matéria.

Foos manteve a prática até vender o motel em 1995 e só em 2013 o jornalista recebeu a autorização para divulgar a história, 33 anos depois de conhecer o fato.

Mais: vindo de Gay Talese, não é uma surpresa o fato de que um livro sobre o caso será lançado, ainda neste ano.

E então, o jornalismo é um vale-tudo?

Mudando de assunto. O aluno Thiago Carrico, do matutino, recomendou um site para os cinéfilos. No MemoCine estão disponibilizadas algumas películas do século passado, além de documentários, curtas e séries. Nem só na Netflix podemos nos perder com tantos títulos 🙂

 

‘Meus heróis não viraram estátua’

Amigos,

Recentemente falamos aqui no blog sobre a Jornada do Herói, estrutura narrativa que há tempos é um padrão mundial nos roteiros de filmes. Tal processo de construção de um personagem e sua história, também é muito explorado pela literatura. Mas isso não significa que o jornalismo, por estar no âmbito da não ficção, não possa retratar uma jornada de herói. Para isso acontecer, é necessário uma boa história com um bom personagem, ambos reais.

Pode ser redundante lembrar que o jornalismo literário vive de boas histórias e, por outro lado, pode ser bem difícil definir o que é uma boa história. Mas é neste momento que o jornalista pode trabalhar a capacidade de investigação para chegar a realidades escondidas, porém surpreendentes.

Em 2010, o Brasil recebeu 560 solicitações de refúgio. Já em 2014, o número passou para 12 mil pedidos. Os principais grupos de refugiados que chegam ao país, de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), vêm da Síria, Colômbia, Angola e República Democrática do Congo. O movimento imigratório mundial novamente chega a números assustadores com o agravamento de guerras internas e perseguição de governos autoritários, tantos nesses países citados, quanto em outros.

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A Jornada do Herói da vida real nem sempre é reconhecida, mas nas mãos do jornalismo literário pode se tornar grandiosa | Ilustração: Pedro Matallo

Aqueles que precisam chegar ao ponto de solicitar refúgio, abandonaram seus países de origem porque corriam risco de vida no local. Da mesma forma com que essas pessoas carregam uma bagagem muito pesada de medo, angústia e tristeza, elas chegam ao destino com a esperança de dias melhores. Nem sempre só a partida e a chegada são cheias de dificuldades, mas também a travessia (muitas vezes digna de uma jornada de herói real e nem tanto gloriosa como mostram os filmes).

Imaginemos então, que por trás daqueles 12 mil pedidos de refúgio há pessoas com boas histórias e que por isso, merecem uma narrativa de fôlego. É o caso do colombiano Robert Arturo Cardenas, cuja viagem, desde Bogotá até São Paulo, foi narrada em quatro partes pela jornalista Adriana Negreiros, para o BRIO. A história é longa, mas conseguimos perceber as partes que fazem dela uma legítima jornada de herói. Vale a pena tirar um (bom) tempo para ler os capítulos 1, 2, 3 e 4.

Mas é preciso chamar atenção para o fato de que a figura de um herói (seja na ficção ou não) é na maioria dos casos masculina. Não contestar isso é concordar com uma regra silenciosa de que um gênero merece mais protagonismo que outro. Independente da origem, raça e gênero, muitas pessoas possuem uma jornada de herói que pode ser muito bem aproveitada. E foi isso que o projeto Vidas Refugiadas fez ao expor histórias de algumas mulheres refugiadas no Brasil. No site também é possível conhecer um pouco mais sobre a situação desses estrangeiros no país.

Espero que essas duas dicas ajudem a perceber que o jornalismo pode aproveitar muito de características da literatura e da ficção.

Boa leitura 🙂

DETALHE: Nos filmes da Disney podemos perceber facilmente como a jornada do herói se encaixa no roteiro. Segue um exemplo com o filme Carros:

Jornada do Herói_Carros

 

Jornalismo para quem tem fôlego

Amigos,

Por mais um semestre o blog é reativado com o início dos estudos de jornalismo literário. Esperamos seguir como um espaço para enriquecer e assimilar os conteúdos produzidos pela imprensa (tradicional e independente) com o que é visto em sala de aula.

Começamos com uma dica de site que vale a pena visitar: a plataforma BRIO.
“Histórias reais e jornalismo de fôlego para quem gosta de ter assunto” é a frase que simplifica o conteúdo desse projeto multimídia criado em 2015.

No resto da descrição, percebemos que a equipe se propõe a seguir as recomendações de Tom Wolfe (sobre o fazer jornalismo literário) quando afirmam produzir grandes reportagens com ângulos nunca antes abordados, criando assim narrativas de alto impacto pois abandonam a superficialidade e mergulham nos fatos, nos personagens e nos conflitos de uma boa história.

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A Jornada do Herói na telona

Amigos,

Por mais prazeroso que possa ser assistir a um filme, fazer cinema não é uma tarefa simples. Não estou me referindo só às dificuldades de conquistar uma fatia do mercado cinematográfico ou aos custos elevados que fazem parte da produção, mas fazer um produto final de qualidade é um verdadeiro desafio. Centenária, a sétima arte já se consolidou e, consequentemente, criou padrões. Hoje, vamos falar de um dos mais famosos deles – a Jornada do Herói.

Podemos afirmar com total tranquilidade que a Jornada do Herói nos filmes está presente tanto nos blockbusters hollywoodianos quanto no cinema de arte. Pensando nisso, eis que surgem as dúvidas: “O cinema é a nova mitologia da humanidade?”, “A compreensão da Jornada empobrece a criatividade do roteirista?” e “Como entender os arquétipos sem reduzi-los a estereótipos?”.

As respostas para todas essas perguntas estão baseadas no fato de que a Jornada o Herói foi, é e vai continuar sendo referência para as nossas vidas. É isso mesmo. A estrutura se repete mundialmente através dos tempos porque, apesar de não ser todo mundo que vira um messias em Matrix, todos nós enfrentamos obstáculos no dia-a-dia. Aprender a dirigir, superar uma perda, conquistar um emprego novo. Todo mundo é o herói de sua própria vida.

Assim, a Jornada do Herói é nada mais nada menos do que uma convenção, um paradigma literário identificado em diversas narrativas e que tem funcionado muito bem na ficção fantástica, auxiliando muitos escritores na construção de uma trama emocionalmente, envolvente e verossímil. Os 12 passos pelos quais a Jornada se sucede foram apresentados pela primeira vez pelo autor Joseph Campbell em 1949, no livro O Herói de Mil Faces. Mas, sobre maiores detalhes, nada melhor que esses cinco minutinhos de vídeo que explicam toda a teoria e ainda estimula a usá-la para enfrentar as dificuldades da vida.

 

E se vocês são fãs de super-heróis ou a adaptação deles no cinema, como a trilogia do cavaleiro das trevas (Batman), vão gostar desse infográfico.

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Infográfico: Viver de Blog

 

E, pra terminar sem fugir do jornalismo propriamente dito, vai um exemplo de mini-documentário.

 

-> DICA DE SITE

No Homo Literatus por meio da série em vídeo A Arte de Contar Histórias por Escrito, Vilto Reis, editor do site, e o escritor Maicon Tenfen falam sobre o processo de criação de grandes escritores, o desenvolvimento de personagens e outros temas relacionados à construção de universos de ficção com palavras. É muito interessante!

 

BOA LEITURA!!! 😉

Olha o passarinho!

Amigos,

Recentemente, jornais do mundo inteiro publicaram a notícia “World Press Photo retira prêmio de fotógrafo italiano que mentiu sobre local do ensaio”. O concurso cancelou o prêmio do italiano Giovanni Troilo depois de receber denúncias de que a série sobre a cidade belga de Charleroi continha informações enganosas. O fato é que uma das imagens do ensaio intitulado “The dark heart of Europe” (“O coração negro da Europa”), sobre a pobreza extrema em Charleroi, teria sido clicada em Bruxelas. O trabalho tinha ficado em primeiro lugar na categoria “Questões contemporâneas”.

Outros fotojornalistas também disseram que algumas imagens da série “O coração negro da Europa” foram encenadas para a câmera (Foto: Divulgação)

Outros fotojornalistas também disseram que algumas imagens da série “O coração negro da Europa” foram encenadas para a câmera (Foto: Divulgação)

Polêmicas à parte, este post é destinado ao concurso. Você já tinha ouvido falar do World Press Photo? Ele é nada mais nada menos do que o concurso de fotojornalismo de maior prestígio NO MUNDO! Fundada em 1955, a World Press Photo é uma organização sem fins lucrativos e com sede na Holanda, onde a cerimônia de entrega dos prêmios é realizada. Depois da cerimônia, os retratos vencedores são reunidos em uma exposição itinerante visitada por milhões de pessoas ao redor de 40 países. Além disso, a cada ano um livro com todos os registros premiados é publicado em seis idiomas diferentes.

Livro World Press Photo 2011 (Foto: Divulgação)

Livro World Press Photo 2011 (Foto: Divulgação)

A seleção das fotos ocorre logo no início do ano, em janeiro. A edição deste ano teve a participação de 5.692 fotógrafos de 131 países com 97.912 imagens. Os principais assuntos retratados foram: a Guerra de Gaza, os conflitos na Ucrânia, a queda do avião MH17 e a epidemia do ebola. Foram premiados 42 trabalhos inseridos em 8 categorias distintas: Questões Contemporâneas, Vida Cotidiana, Notícias Gerais, Projetos de longo prazo, Natureza, Retratos, Esportes e Ponto Notícias.

O grande prêmio da 58.ª edição do World Press Photo foi atribuído ao fotojornalista dinamarquês Mads Nissen, que captou um momento íntimo entre um casal homossexual, Jon e Alex, em São Petersburgo, na Rússia. A imagem, que faz parte do projeto fotográfico intitulado Homofobia na Rússia”, pretende combater o preconceito e a discriminação, ainda muito forte naquele país. Nissen teve a ideia do projeto depois de presenciar, na Rússia, um amigo homossexual ser atacado no momento em que se despedia do namorado com um beijo.

A grande vencedora deste ano, clicada por Mads Nissen (Foto: Divulgação)

A grande vencedora deste ano, clicada por Mads Nissen (Foto: Divulgação)

Para participar do concurso, você precisa ser fotógrafo profissional ou fotojornalista. Inclusive, isso deve ser comprovado por meio de um documento de confirmação. O fotógrafo tem de ser o autor do material fotográfico enviado, o qual precisa incluir toda a informação referente à imagem, como data, local e país de criação assim como texto descritivo. Não são aceitas imagens com molduras, fundos ou outros efeitos adicionados. A inscrição é gratuita.

 

FICOU CURIOSO, NÉ? 🙂

Quer ver e saber a história das demais fotos ganhadoras do World Press Photo 2015? Clique aqui!

 

BOA LEITURA!!! 😉

O jornalismo de guerra em HQs

Amigos,

Na última sexta-feira (24), Emerson Jambelli, ex-aluno da PUC-Campinas, voltou à faculdade para falar sobre o seu  Projeto Experimental “Duas guerras, dois livros”. Feito há dois anos, o estudo se trata de uma análise comparativa entre “O gosto da guerra”, de José Hamilton Ribeiro, e “Dias de inferno na Síria”, de Klester Cavalcanti. Mas e se, enquanto alguns escolhem o texto, a fotografia ou o vídeo para contar histórias de guerra, nós uníssemos a paixão pela profissão e pelo desenho

Imagine poder escolher entre relatos cheios de números e datas e relatos humanizados que contam a história do ponto de vista de pessoas comuns. Para completar, imagine poder contar com cenários e imagens daquela época nesses relatos humanizados. Imaginou? Pois é assim que você se sente quando está diante dos livros de Joe Sacco, jornalista que criou o chamado “jornalismo em quadrinhos”, uma outra maneira de informar.

Joe Sacco e a sua versão em HQ

Joe Sacco e a sua versão em HQ (Foto: divulgação)

Ele nasceu em Malta e vive nos EUA desde a adolescência. Sacco começou desenhando quadrinhos satíricos, mas logo percebeu que podia contar histórias de conflitos, como o que acontecia entre palestinos e israelenses no Oriente Médio. No começo, a principal barreira a ser quebrada pelo jornalista foi o preconceito dos vários editores que não encaravam com seriedade as grandes reportagens na linguagem das HQs. Hoje, a obra de Joe Sacco consegue ser mais convincente do que muita fotografia ou matéria de jornal.

(Foto: divulgação)

(Foto: divulgação)

Para Sacco, a linguagem dos quadrinhos permite que o leitor entenda todo o contexto dos acontecimentos. Inclusive, pessoas é o foco do jornalista, já que ele precisa investigá-las para que consiga dar voz os personagens afetados pela guerra. Por documentar o conflito entre Israel e Palestina e a guerra na Bósnia, Joe Sacco recebeu diversos prêmios. Entre eles estão o Prêmio Eisner e o American Book Award, pelas obras “Área de Segurança Gorazde” e “Palestina”, respectivamente.

(Foto: divulgação)

(Foto: divulgação)

Em seus livros, o autor conta a realidade, e não a ficção. Mostra vários aspectos dos lugares que visitou e retrata desde guerrilheiros até jovens que querem apenas um pouco de diversão. O próprio Joe Sacco é personagem de suas ilustrações, pois, como repórter, acredita que não pode se excluir do contexto. Ler Joe Sacco é não só uma nova experiência literária, mas também uma aula de história, ambas diferentes de qualquer coisa que você já tenha lido.

Em 2011, o jornalista veio ao Brasil e participou da Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro. Assista a entrevista que ele concedeu ao SaraivaConteúdo, no “Especial FLIP” do canal no YouTube:

 

BOA LEITURA!!! 😉

Perfil biográfico X Biografia

Amigos,

Vocês gostam de histórias? Há inúmeras maneiras de escrevê-las, mas vocês imaginam alguma sem personagens? Não, certo? Nenhuma história pode existir sem personagem. As formas de apresentar e caracterizar os protagonistas também são variadas, mas hoje falaremos sobre duas delas: o perfil biográfico e a biografia. Normalmente, esse tipo de texto cativa a maioria dos leitores porque, por meio dele, é possível descobrir informações curiosíssimas sobre a vida das pessoas. Apesar de muitas obras biográficas poderem ser comparadas a romances, de tão incomum e interessante que possa ter sido a vida do personagem, o gênero biográfico trata de narrativas não ficcionais.

Como vocês sabem, a polêmica sobre as biografias voltou a ser debatida no ano passado, quando a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 393/11, a chamada Lei das Biografias, que modifica o Código Civil e libera a publicação de “imagens, escritos e informações” biográficas de personalidades públicas, sem necessidade de autorização. Como diria o jornalista e escritor Ruy Castro, “O biografado dos sonhos precisa ser… filho único, órfão, solteirão, estéril e brocha – única maneira de o biógrafo ficar a salvo de encrencas”.

Ruy Catro conversou com muitas pessoas próximas de seu biografado, Garrincha. Citou todos se seção "Agradecimentos", mas não escapou de um processo (Foto: Divulgação)

Ruy Catro conversou com muitas pessoas próximas de seu biografado Garrincha e, mesmo tendo citado todos em “Agradecimentos”, não escapou de um processo (Foto: Divulgação)

Mas o perfil biográfico e a biografia são a mesma coisa?

Não. Ambos são narrativas sobre uma pessoa, com descrições, histórias de vida e relatos. Porém, há diferenças. Sérgio Vilas Boas, no livro “Perfis – e como escrevê-los” , diz que, enquanto nas biografias os autores têm que abordar os detalhes da história do biografado, nos perfis podem focalizar apenas alguns momentos da vida da pessoa. É uma narrativa curta tanto no tamanho do texto quanto no tempo de validade de algumas informações e interpretações do repórter. Já a biografia é um trabalho de pesquisa, que geralmente exige do biógrafo dedicação e pesquisa detalhista sobre a vida e a obra da personagem biografada.

Outra diferença é que o perfil é preferencialmente sobre vivos e a biografia é escrita, na maioria das vezes, sobre personagens que já morreram. Além disso, no processo de apuração e escrita de perfis, a relação entre o escritor e o perfilado é fundamental. O repórter precisa tornar-se íntimo. Deve-se levar em conta a importância, a essência, o momento, as opiniões e os episódios da vida do perfilado e também as percepções do próprio escritor que o acompanhou.

Gay Talese, estilo próprio nas roupas e na escrita

Gay Talese, estilo próprio nas roupas e na escrita

Gay Talese, por exemplo, é famoso por escrever perfis marcantes. O “Frank Sinatra está resfriado”, publicado em 1966 na revista “Esquire” e também presente em “Fama e Anonimato”, foi escrito sem o jornalista fazer uma entrevista sequer com o perfilado. Apesar de Talese não conseguir falar com Sinatra, ouviu dezenas de pessoas ligadas ao cantor e, através de depoimentos e observações, criou um perfil inédito do famoso. Em 2003, a “Esquire” republicou o perfil por considerá-lo o melhor da revista em 70 anos. Leia aqui o texto em português.

Edição de abril de 1966 da revista Esquire

Edição de abril de 1966 da revista Esquire

“Histórias bem escritas sempre terão leitores”, garante Talese. Veja a entrevista concedida à “TV Folha” em 2012:

 

Portanto, se você tem dificuldades na hora de escrever um perfil, isso é absolutamente normal. O processo de escrita foi doloroso até pra Talese. Em uma das passagens de “Vida de Escritor”, ele define escrever como “dirigir um caminhão à noite sem farol, perder o caminho e passar uma década em um buraco”. Inclusive, muitas de suas reportagens acabaram não conseguindo espaço em jornais e revistas por causa do grande tempo de apuração e finalização. Por isso são mais de dez livros publicados.  Ao contrário de outros autores do jornalismo literário, Talese não escreveu livros de ficção.

 

-> DICA DE LIVRO 😉

6374_1_20140801150221PERFIS: O MUNDO DOS OUTROS (Editora Manole, 2014) – “Perfis: o Mundo dos Outros”, do jornalista Sergio Vilas-Boas, reúne 22 perfis e um ensaio sobre o gênero perfil, publicados por próprio jornalista entre 1999 e 2014, em jornais, revistas e sites. Dentre os nomes, Jayme Sirotsky (empresário), Mara Salles (chef do restaurante Tordesilhas), Jaqueline Ortolan (comandante de jatos da TAM) e o ornitólogo Johan Dalgas Frisch. Entre os famosos, o ex-jogador Tostão, os escritores Paul Auster, João Ubaldo Ribeiro, Lya Luft, Gabriel García Márquez, entre outros. O livro se destina a estudantes de jornalismo e também ao público em geral interessados nos perfis apresentados.

 

BOA LEITURA!!! 🙂

 

Sou suçuarana

Amigos,

Vamos falar um pouco mais sobre técnicas literárias? A perspectiva do autor em relação aos acontecimentos de uma história é chamada de foco narrativo, o qual varia de acordo com os diferentes pontos de vista que o narrador assume no texto. O foco pode se manifestar de duas formas: o narrador se posiciona dentro da história como personagem (primeira pessoa) ou o narrador tem uma visão de fora do enredo e passa a ser observador onisciente e onipresente (terceira pessoa).

Mas e se o personagem for uma onça? Como o jornalista vai buscar ver o que ninguém viu, entender o que ninguém entendeu, sentir o que ninguém sentiu e compreender o que ninguém compreendeu se ele tem a difícil tarefa de ser uma onça? Como ele vai perceber o que não foi dito e imergir no ambiente desse personagem?

Em um dos textos mais característicos do estilo de Ivan Marsiglia, repórter do caderno Aliás do Estado de São Paulo, ele conta a história de uma onça que deu as caras na beira de uma rodovia. O fato, ao contrário do que era esperado, foi reconstituído do ponto de vista, e com o “linguajar”, da onça. Mais do que simplesmente informar, o jornalista foi capaz de entregar uma grande história ao leitor. Quer ler? Clique aqui.

Além de personagem do texto de Marsiglia, a suçuarana é também conhecida como onça-parda ou puma (Foto: Divulgação)

Além de personagem do texto de Marsiglia, a suçuarana é também conhecida como onça-parda ou puma (Foto: Divulgação)

 

-> DICA DE LIVRO 😉

CapaPoeiraBaixa-202x300A POEIRA DOS OUTROS (Editora Arquipélago, 2013) – “Sou suçuarana” é uma das vinte reportagens reunidas no livro “A Poeira dos Outros”, de Ivan Marsiglia. O repórter demonstra se interessar pelos mais diversos assuntos, mas nesta obra é possível identificar uma preocupação recorrente: contar histórias que revelem ao leitor episódios obscuros do passado, e também do presente, do país. Isso pode ser visto no perfil do juiz que, ainda em plena ditadura, condenou o Estado pela morte do jornalista Vladimir Herzog, ocorrida em 1975, ou no relato da movimentada e violenta madrugada de sábado em um pronto-socorro na periferia de São Paulo.

 

Boa leitura!!! 🙂

 

Gabriel García Márquez X Crônica de uma morte à toa

Amigos,

Hoje é “Dia da Mentira” e o post tem tudo a ver com a data!

Vocês sabiam que em uma entrevista com o jornalista Daniel Samper, o famoso Gabriel García Márquez confessou já ter inventado notícia? Pois é!

Um desses episódios ocorreu em 1954, quando o jornal El Espectador enviou García Márquez para cobrir um grande protesto contra o governo em Quibdó e o jovem jornalista encontrou a cidade completamente calma.  Na verdade,  o correspondente local havia inventado fatos para a redação em Bogotá. Como García Márquez não queria voltar de mãos vazias, organizou um protesto para escrever a reportagem e tirar as fotos. Depois, a matéria foi publicada com o título História íntima de uma manifestação de 400 horas e, nela, García Marquez afirmou que o protesto durou 13 dias.

Essa é uma das principais características dos romances de García Márquez: a sua capacidade de inventar uma realidade descomedida. E isso está relacionado, em parte, com o uso da figura de linguagem hipérbole. É possível detectar exageros e invenções em diferentes etapas do jornalismo de García Marquez. Em alguns momentos, esses exageros e invenções estão presentes de uma forma abundante e aberta e, em outras, de forma dosada e velada. Este é um fenômeno que ainda é referência para muitos jornalistas e se enquadra no que chamamos de realismo mágico de García Márquez.

Para contar as histórias reunidas no livro Entretanto, foi assim que aconteceu, o jornalista do Estado de S.Paulo Christian Carvalho Cruz fez muito mais do que “colocar o pé no barro”. O jeito de falar, os gestos, os cacoetes, nada passou despercebido e tudo foi colocado no papel. Seria exagero? Muitas das histórias narradas apareceram primeiro como nota de pé de página, escondidas pelas fórmulas clássicas do jornalismo tradicional. Uma vítima de atropelamento em São Paulo, por exemplo, que poderia ser apenas mais um ponto na curva estatística, nas mãos desse repórter, se transformou na “Crônica de uma morte à toa”, texto que inclusive busca inspiração em Gabriel García Márquez.

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O escritor Gabriel García Márquez (esquerda) é fonte de inspiração para o jornalista Christian Carvalho Cruz (Foto: Divulgação)

 

Vamos analisar essa inspiração?

  • E a homenagem a Gabriel García Márquez feita pelos jornalistas da TVESTADÃO  em 17 de abr de 2014:

 

Boa leitura!!! 🙂